Texto
introdutório de Gustavo Gitti
“Desescolarização”
não é bem o tema desse vídeo. Ana Thomaz nos leva a um percurso incrível de uma
hora sobre as possibilidades de aproveitar a educação dos filhos para se
desenvolver, se trabalhar, crescer e fazer crescer outra cultura.
Se você é
pai ou pretende ser pai, se é mãe ou pretende ser mãe, se também já passou mais
de uma década dentro da escola, eu aposto que vai se beneficiar com essa fala
sem cortes, envolvida num riquíssimo pano de fundo corporal e intelectual:
técnica Alexander, teatro, Humberto Maturana, Espinosa, Deleuze, Nietzsche,
Foucault…
O lance é
fazer o percurso do vídeo inteiro, mas para facilitar nossa conversa deixo
algumas das falas que mais me marcaram, enquanto ouvíamos sentados no chão da
casa da Ana, Isabella Ianelli e eu, com a Luiza de Castro alternando entre três
câmeras. Aliás, a Luiza demorou demais para editar pois sempre se esquecia do
trabalho, imersa em insights.
Palavras
de Ana:
“Paradoxalmente, o autoconhecimento não se
dá sozinho, fora do encontro. Eu não me fecho para me conhecer, eu entro em
relação para me conhecer. Eu me conheço através dos outros, através dos
acontecimentos à minha volta.”
“Se eu me
sentia travada, com raiva, emocionalmente fixa com aquele situação, o problema
era meu. Elas tinham outro problema, mas aquele problema era eu: eu que estava
triste, eu que estava frustrada. Elas não estavam me dando aquele problema. Era
meu. Só estava vindo à superfície por causa do encontro. O que o encontro me
deu foi o conhecimento de mim mesma, de algo que estava ali, guardadinho.”
“Elas
ouvem o que eu estou sentindo, não o que eu estou falando, qualquer criança
faz isso com um adulto.”
“Eu fui
entendendo que o que eu poderia fazer era continuar o meu processo de
desenvolvimento, só que na frente delas. [...] O que eu comecei a fazer foi a
me trabalhar a partir do encontro com elas. Então, por exemplo, uma filha
chorava, qualquer motivo que fosse, eu entrava em contato com o que eu sentia
com aquele choro, e não com o que eu deveria fazer para resolver o problema
dela. [...] Eu percebia que aquele choro era meu, às vezes eu percebia que eu
precisaria que ela fosse uma menina que não chorasse para eu me sentir uma mãe
melhor.”
“Depois
da experiência de um parto nas minhas mãos, eu já não queria ter mais nenhum
tipo de necessidade de me apoiar em coisas que me garantissem alguma coisa. Até
então eu estava muito na garantia: eu estava olhando se eu podia garantir que o
meu filho estava num bom caminho. Ali eu rompi com a garantia. Não se
tem garantia na vida.”
“Por que
não aproveitar tanto o choro quanto o riso quanto o problema como
desenvolvimento? [...] A distração seria resolver problemas. E, não, o problema
em si é um encontro.”
“E então
eu fui fazendo essa prática: de parar de me atrapalhar.”
“A vida
social dá muito problema. Estar ao lado do outro. Muitas brigas internas, muita
competição… Puxa, como é que a gente não se preparou para isso? Sou adulta
já e não fui preparada para isso. [...] Eu sentia que a escola não me
preparava para os objetivos que eu tinha na vida. [...] Eu olhei para trás e vi
que poderia ter sido diferente. Poderia ter sido diferente a minha formação
escolar. Então eu decidir fazer diferente as minhas aulas e a minha formação
dali em diante.”
“Eu me
distraía achando que minha meta era ser mãe, minha meta era ser bailarina,
minha meta era ser professora. Isso é uma distração e aí a gente começa a
trabalhar pra isso. Nossa meta é potencializar nossa potência. Nossa meta é a
existência plena. Então eu comecei a ver que ele [meu filho] não estava se
distraindo com a técnica (mágica) para a existência plena dele. Tanto que ele
poderia abandonar aquilo de uma hora pra outra e começar tudo de novo de uma
outra maneira.”
A nossa
cultura é anti-vida, é uma cultura de distrações. Você nasce e daqui a
pouco você já esquece a meta. Porque é tanta distração: escola, leis,
entretenimento, fantasias, consumo… Consumo é pura distração.”
“Eu uso a
maternidade como uma ferramenta para refinar meu desenvolvimento. Eu tento não
me distrair sendo mãe.”
“Eu me
propus a não dar garantia para mim mesma na educação delas, a não usar poder e
ameaças e a não escolarizar. Quer dizer, eu estava perdida. O que me segurava
realmente foi a experiência. Quando você tem uma experiência desse nível, de um
parto, que é um processo de vida, na sua mão, você… confia, você para de achar
que você precisa de certas estruturas que até então você até então precisaria.”
“Às vezes
só de eu estar com o olhar tranquilo na frente delas, a coisa se resolvia.”
“Elas
começaram a ter contato não com uma mãe que é calma e paciente, mas com uma mãe
que se trabalha dessa maneira enquanto enfrenta um problema. Sem que eu falasse
nada, eu comecei a perceber que elas estavam entendendo que eu faço alguma
coisa, que eu estava ensinando, indiretamente, um processo para elas. Porque aí
eu começo a ver uma fazendo com a outra. O que me levou a pensar: essas meninas
estão se preparando para, seja o que for, conviver socialmente. Porque elas
estão entendendo que não se pode culpar o outro, porque elas não estão se
sentindo culpadas, que elas não precisam melhorar para que eu fique bem. Ali eu
comecei a entender que a gente está entrando em uma matéria essencial no
desenvolvimento do ser humano em sociedade: que é cada um assumir a
responsabilidade pelo que sente, pela realidade que cria, e em relação.”
Os pais
se sentem ameaçados pelos seus pequenos filhos. Esse excesso de mimo que a
gente vê nada mais é do que uma resposta a uma ameaça. [...] Ameaça do dia:
por meu filho para tomar banho. Ameaça do dia: fazer meu filho almoçar. Ameaça
do dia: por uma roupa pra gente sair. Nessa resposta a essas ameaças vem todo
esse falso respeito achando que está dando liberdade: “O que você quer comer
hoje?”.”
“Em vez
de me sentir ameaçada e ameaçar, comecei a me desafiar e a jogar desafios para
as crianças.”
“Transformar
aquela emoção em força de ação: esse é um desenvolvimento. Uma criança não
consegue fazer isso. Quando ela tem uma emoção, ela expressa. Se ela for muito
bem treinada, ela vai embutir. [...] O que a gente vê nos adultos hoje em dia:
os adultos expressando suas emoções, o que é ridículo. Um adulto de 30 anos
não é pra dar chilique. E você vê uma criança dando chilique, e o adulto
dando em cima. Então, eu aceito uma criança expressando; e eu não me aceito me
expressando. Eu me aceito fazendo com que a emoção que vem se transforme em
força de ação. Quando a criança vê isso, ela está tendo uma aula disso. Esse é
o lugar, esse é o lugar que a gente precisa conquistar.”
“Esse
processo não depende da mudança de fora. Você não precisa que a realidade te
apoie. Você não precisa sair dessa sociedade para isso acontecer. É nessa
sociedade que você faz o trabalho. [...] Eu não acho a nossa sociedade perdida,
irremediável, tem coisas incríveis acontecendo.”
“Cada vez mais eu me incomodo menos — cada vez
mais estou criando uma outra cultura dentro de mim, um outro modo de agir e me
relacionar — e cada vez menos eu incomodo. [...] Então eu aceito todo o
antagonismo, me alimento dele, transmuto para que ele seja fonte de
crescimento, e não antagonizo de volta. Quem não ataca para de ser atacado.“
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